O diferendo entre a ANA e a companhia de baixo custo Ryanair continua sem um fim à vista. As negociações entre as empresas continuam, mas os partidos políticos têm uma posição bem definida sobre esta matéria. O JANEIRO ouviu as diferentes facções e percebeu que a privatização do aeroporto não é encarada com bons olhos.
José Sá Reis
“Infelizmente Lisboa é sempre beneficiada em relação ao resto do País. A ANA deveria ceder um pouco tendo em vista os benefícios que a Ryanair iria trazer para o Porto, até porque iria criar 200 postos de trabalho directos a uma região do País que tem a mais alta taxa de desemprego, faria com que o turismo aumentasse de forma significativa, e aí o governo também deveria interferir para que o negócio fosse possível. Se houvesse a regionalização – que já deveria existir há bastantes anos – estes problemas certamente não se colocariam”.
Este comentário, anónimo, colocado num dos inúmeros blogues que proliferam pela rede, expressa o sentimento generalizado sobre a recente notícia da dificuldade criada pela ANA à implementação de uma base aérea da companhia Ryanair no Aeroporto Francisco Sá Carneiro. Michael O’Leary, presidente da companhia, disse, no final do mês passado, em conferência de imprensa no Porto, que tinha todas as intenções de abrir uma base no Porto, mas as “autoridades de Lisboa estão a condicionar essa negociação”. Disse que os custos apresentados “são muito altos” e que falta ás autoridades de Lisboa uma atitude mais comercial”. A Ryanair poderia, com a abertura deste entreposto, triplicar o número de passageiros de e para o Porto, passando de um para três milhões de passageiros transportados. As negociações continuam, mas O’Leary recordou que “ a decisão terá sempre de vir de Lisboa”, o que pode inviabilizar esse negócio.
Desrespeito pelo Porto
Para João Teixeira Lopes, dirigente do Bloco de Esquerda, o interesse demonstrado pela companhia Ryanair em instalar uma base aeronáutica no Aeroporto Francisco Sá Carneiro representa um passo “importante”, já que “a sociedade portuguesa tem que perceber que o futuro das viagens passa pelas companhias low cost”. O interesse demonstrado acompanha o crescimento do aeroporto, anunciado esta semana por elementos da administração da entidade, um crescimento elevado que não estava inicialmente previsto. “A Ryanair já veio demonstrar que não tem interesse no Aeroporto da Portela, em Lisboa, e este interesse “só nos pode encher de orgulho e augura um bom momento na região”, revela Teixeira Lopes. Contudo, ainda persiste a ideia de um centralismo em Lisboa, o que no entender do dirigente bloquista representa “um total desrespeito em relação ao Porto, porque ainda se pensa que tudo tem que se passar em Lisboa. É verdade que, hoje, as sedes das principais empresas se situam em Lisboa, mas não tem que representar que tudo se passe lá”, frisa.
Não será de estranhar que a juntar a este interesse repentino pelo aeroporto do Porto surja o crescimento sentido no volume de passageiros transportados de e para o Porto, com o consequente aumento do turismo na região. “Eu defendo um aeroporto muito forte, com o estabelecimento eficaz de interfaces com outros meios de transporte. Não necessita de ser com o comboio de alta velocidade, que muita polémica tem causado, mas com o comboio, por exemplo”, refere Teixeira Lopes. “Não esqueçamos que assumimos hoje um importante projecto regional e podemos ser, se soubermos guiar as coisas com a eficácia pretendida, uma alternativa eficaz à Galiza”, acrescenta.
Negociações continuam
O que a ANA tem feito, e por conseguinte o Governo, que não tem ajudado à resolução do problema e tem persistido na ideia de privatizar a entidade, é um “cortar de asas a quem quer voar”. “Já nos pronunciamos publicamente contra a possibilidade cada vez mais credível de privatizar a ANA [entidade que gere os aeroportos portugueses], por entendermos que deve ser um serviço inteiramente público e não ter interesses subjacentes”, destacou.
Até porque vai potenciar ainda mais “o Douro Património Mundial, com uma diversidade paisagística admirável”, reflecte, apontando que a região Norte é, hoje, um indicador da riqueza no país. “As estatísticas nacionais mostram que o Norte tem puxado o país para baixo, enfraquecendo-o. Isto mostra a importância da região no desenvolvimento do país”, aventa o também sociólogo. “O Porto está hoje a desenvolver um importante ‘cluster’ de saúde, que tem vindo a ganhar projecção, e deve existir uma aposta forte no turismo na zona”, salienta Teixeira Lopes, lamentando assim o presumível afastamento da possibilidade de uma companhia residente no Aeroporto da Portela.
Opinião idêntica foi expressa, ao JANEIRO, por Renato Sampaio, presidente da Federação Distrital do PS/Porto, que diz ter “sempre defendido que devia haver uma companhia residente que valorize o Aeroporto do Porto”. Contudo, admite que esta negociação “não pode ser feita através de uma visão estratégica privada”, mas haver uma “negociação consistente tendo em linha de pensamento o fomento do turismo, do sector económico e do desenvolvimento sustentável”. Vê, por isso, com bons olhos a hipótese levantada de fazer do aeroporto Sá Carneiro uma base nacional da companhia de baixo custo Ryanair. “Contudo, a ANA ainda está em negociações, o processo de concessão ainda decorre, não nos cabendo expressar mais opiniões sobre esta matéria”, refere Renato Sampaio.
Posição estratégica
O PCP espera para ver e leva esta máxima avante. No fundamental, diz não querer particularizar, mas mostra-se declaradamente contra a possibilidade de privatizar o aeroporto. “Solicitámos já um encontro com a direcção do aeroporto, para percebermos em que ponto estamos e termos plena consciência do que se está a falar neste caso”, refere Sérgio Teixeira, responsável da Direcção de Organização Regional do Porto do PCP, lembrando que levou este assunto a Assembleia Metropolitana, questionando o presidente da Junta Metropolitana do Porto sobre esta matéria.
“O aeroporto está hoje numa posição estratégica, como um pólo importante do turismo nacional e posicionado como um importante receptador de turismo internacional”, sustenta o responsável.
Assim, não concorda com o rumo que tem tomado todo este processo, já que, “neste caso, e tendo em conta que este é um empreendimento nacional, as várias instituições devem ter uma palavra a dizer sobre todo este processo”. Para ele, não se devem confundir duas valências importantes como o interesse da região e os interesses privados que podem pairar na região. “Deve saber-se, antes de mais, qual a oferta existente para este espaço. Não pode imperar os interesses estratégicos, mas aqueles que demonstrem maior rentabilidade do aeroporto”, revela.
PSD acha estranho
Do lado do PSD, recuperamos as afirmações que Marco António Costa, líder da distrital do PSD, proferiu na altura, já que este se recusou a prestar mais esclarecimentos sobre o assunto, alegando que “já teria falado dessa matéria anteriormente”. Assim, revelou que acha “muito estranho” e que o partido “não aceitará decisões de parcialidade regional “, acrescenta, dando conta que, caso os esclarecimentos do Governo não cheguem ou sejam insuficientes, o PSD vai chamar o presidente da ANA e da Ryanair à Assembleia da República para perceber o que se está a passar.
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Retrato do aeroporto do Norte
O Aeroporto Francisco Sá Carneiro é o terceiro entreposto aeroportuário do país com maior movimento de passageiros e bagagens. Está, actualmente, atrás do Aeroporto da Portela e do Aeroporto de Faro, mas tem testemunhado um relativo incremento das suas ligações, devido, em grande parte, ao aumento dos voos das companhias de baixo custo para o viajante, como é o caso da Ryanair. Foi considerado, há pouco tempo, com um dos melhores aeroportos europeus, com uma intermodalidade eficaz entre o avião e o transporte público, como é o caso do metro e do autocarro, com uma rede cada vez mais eficaz e que tem respondido cada vez melhor a estes novos desafios – a linha E do Metro do Porto liga directamente, em pouco mais de meia hora, a plataforma aeroportuária com a baixa da cidade do Porto. Alternativa mais viável para quem não tem viatura própria à espera á chegada ao aeroporto, mas que pode ser facilmente trocada (caso se prefira algo mais convencional” pelo táxi ou pelos autocarros da rede municipal do Porto, STCP. O aeroporto tem conhecido tempos de bom augúrio, tendo ganho já prémios de prestígio. Em 2006, a European Convention foir Constructional Steelwork distinguiu o terminal de passageiros do aeroporto na categoria de melhor obra portuguesa em aço e neste ano, como referido, foi considerado o terceiro melhor aeroporto da Europa, e do Mundo, na categoria de menos de cinco milhões de passageiros. De futuro, está prevista a construção de uma nova pista, para meados de 2009, ficando a actual como caminho de circulação. Ao mesmo tempo, serão construídos novos lugares e oficinas para um melhor e mais rápido desempenho na aerogare, utilizada todos os dias por inúmeros passageiros. O aeroporto está agora de olhos postos na Galiza, um forte pólo turístico que o Norte quer agora captar.
in: www.oprimeirodejaneiro.pt de 17 Dez/07
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